A Pública analisou votos, pareceres e
manifestações dos TCEs e MPCs entre 2013 e 2014 em 20 estados; os documentos
mostram que os governadores infringiram a legislação mas ainda assim tiveram as
contas aprovadas
A adoção de malabarismos contábeis em
que se baseou o pedido de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff,
não é exclusividade do governo federal. A Agência Pública analisou
pareceres prévios dos Tribunais de Contas dos estados (TCEs), votos de alguns
de seus conselheiros e manifestações dos Ministérios Públicos de Contas (MPCs)
de 20 unidades da Federação, entre 2013 e 2014, e concluiu que, na
interpretação geral do conceito, pelo menos 17 governos teriam praticado
pedaladas fiscais.
Por não se tratar de um termo
técnico, é difícil cravar o que é ou não uma pedalada fiscal. De forma geral,
as pedaladas são “mecanismos utilizados pelo governo para maquiar as contas
públicas” – como definiu o conselheiro substituto do Tribunal de Contas do
Ceará, Paulo César de Souza, na declaração de voto sobre as contas estaduais de
2014. Nos documentos examinados pela Pública foram
encontrados três tipos desses mecanismos: a abertura de créditos adicionais de
forma irregular, a maquiagem da meta fiscal e o cancelamento de empenhos
liquidados.
Segundo análises de MPCs, de
auditorias técnicas dos TCEs e de manifestações de conselheiros dos tribunais,
foram detectados problemas na abertura de créditos adicionais na contabilidade
de nove governadores: Rosalba Ciarlini (DEM-RN), Roseana Sarney (PMDB-MA),
Ricardo Coutinho (PSB-PB), Tarso Genro (PT-RS), Beto Richa (PSDB-PR), Siqueira
Campos (PSDB-TP), Sandoval Cardoso (SD-TO), Sergio Cabral (PMDB-RJ), Luiz
Fernando Pezão (PMDB-RJ), Antonio Anastasia (PSDB-MG), Alberto Pinto Coelho
(PP-MG), e Silval Barbosa (PMDB-MT). Em alguns casos, pela ausência de
autorização legislativa – o que foi apontado como pedalada no caso da
presidente, que agiu sem autorização prévia do Congresso; em outros, pela
inexistência de um limite para os créditos adicionais.
A segunda pedalada consiste na
violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) através da maquiagem das
contas públicas para forjar o cumprimento das metas fiscais do governo ou
através da aprovação irregular de Leis Orçamentárias Anuais (LOAs). Assim como
Dilma, acusada de omitir o passivo da contabilidade oficial, teriam incorrido
nesta prática os governadores Cid Gomes (PDT-CE), Marconi Perillo (PSDB-GO),
Sergio Cabral (PMDB-RJ), Silval Barbosa (PMDB-MT) e Antonio Anastasia
(PSDB-MG).
O “cancelamento de empenhos
liquidados”, um termo complicado para explicar o popular “calote”, também é uma
forma de pedalar. O procedimento consiste em retirar das contas públicas o
registro de despesas sobre serviços já efetuados ou produtos já entregues, sem
pagar prestadores e fornecedores. Uma infração ao artigo 42 da LRF, que proíbe
a prática para evitar, em ano eleitoral, que resultados artificiais na
contabilidade gerem um rombo para os sucessores. Teriam cancelado empenhos já
liquidados os governadores Eduardo Campos (PSB-PE), Raimundo Colombo (PSD-SC),
Alberto Pinto Coelho (PP) e Renato Casagrande (PSB-ES).
O atraso de repasses a bancos
públicos responsáveis por pagamentos de programas sociais, como o Bolsa
Família, ou de linhas de financiamento, como o Plano Safra, é apontado como a
pedalada mais grave do governo Dilma. As instituições financeiras teriam
amargado meses de “pendura”, o que configuraria um empréstimo – e como tal,
ilegal. Mas, embora não envolvam bancos estatais, manobras semelhantes teriam
sido praticadas por Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Agnelo Queiroz (PT-DF).
Ao contrário de Dilma, porém, que em
2015 teve suas contas rejeitadas por unanimidade pelo Tribunal de Contas da
União (TCU), as cortes estaduais foram bem menos rigorosas no julgamento dos
governadores. Nenhum deles teve a contabilidade reprovada, apesar de
manifestações neste sentido por parte de alguns conselheiros solitários e dos
Ministérios Públicos de Contas.
Dois pesos, duas medidas
Relator do processo de impeachment de
Dilma Rousseff no Senado Federal, Antonio Anastasia (PSDB-MG) teve as contas aprovadas pelo Tribunal
de Contas de Minas Gerais apesar
de irregularidades cometidas no exercício de 2014. Não apenas por ele mas
também pelo vice Alberto Pinto Coelho (PP) – que assumiu quando o tucano
renunciou, em abril, para concorrer ao cargo de senador. Entre os problemas na
gestão mineira, está a abertura de créditos suplementares de valor superior ao
dobro do permitido na Lei Orçamentária Anual (LOA), alcançando um montante R$
15,51 bilhões.
Além disso, como apontou o MP de
Contas, irregularidades na própria LOA caracterizariam a abertura ilimitada de
créditos adicionais, o que é proibido pela Constituição. Outro problema
encontrado no estado foi o cancelamento de empenhos liquidados nos últimos oito
meses de mandato, uma espécie de maquiagem de R$901,4 milhões. O artigo 42 da
LRF proíbe o “pendura” de contas para o primeiro ano do mandato seguinte sem a
devida dotação orçamentária. Ainda assim, os conselheiros do TCE-MG aprovaram
as contas de Anastasia. No entendimento deles, tudo não passou de
“impropriedades e faltas de natureza formal” sem dano aos cofres públicos.
No Paraná, o governador Beto Richa (PSDB) também
apresentou uma LOA com irregularidades que permitiriam a abertura de créditos
ilimitadas, como foi ressalvado na aprovação de suas contas pelo TCE. A
irregularidade mais grave, porém, de acordo com o MP de Contas, foi a pedalada
na meta fiscal praticada pelo governador. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de
2014 previa um superávit primário de R$ 2,3 bilhões, que acabou se convertendo
em um déficit de R$ 177 milhões. Para deixar o resultado na legalidade, o
governo conseguiu, com o apoio do Poder Legislativo, reduzir em incríveis R$
3,5 bilhões a meta de resultado primário em 2015 – e, assim, cumpri-la. Chama
atenção no texto do parecer prévio aprovado pela corte de contas paranaense,
que negou veementemente que o governador tenha pedalado, um trecho destacando
especificamente que as manobras do governador “em nada se parecem ou se
assemelham” com aquelas de Dilma Rousseff.
No Rio Grande do Norte, o conselheiro Carlos Thompson
Fernandes apontou irregularidades nas contas da governadora Rosalba Ciarlini (DEM) referentes ao exercício de 2013
utilizando argumentos semelhantes ao do parecer de Anastasia sobre as contas de
Dilma. “Restou demonstrada a abertura de créditos adicionais suplementares e
créditos adicionais especiais sem autorização legislativa. (…) Tal prática, que
configura a utilização de créditos ilimitados, (…) incorre no crime de
responsabilidade contra a lei orçamentária do art. 10, item 6, da Lei n
1.079/1950 [a Lei do Impeachment]”, escreveu o conselheiro. Somados os dois
tipos de créditos – suplementares e especiais –, o valor alcançado foi de R$
1,097 bilhão.
Apesar do voto de Thompson, a
contabilidade de Rosalba foi aprovada com recomendações e ressalvas – espécies
de “puxões de orelha” que se repetem anos a fio sem quaisquer consequências ou
punições aos gestores.
Infográfico: Bruno Fonseca
No Maranhão, também em 2013, a governadora Roseana Sarney (PMDB) também abriu créditos suplementares
sem a autorização do Poder Legislativo, de acordo com o Ministério Público de
Contas. O valor das movimentações, de R$ 6,4 bilhões, supera o autorizado na
Lei Orçamentária Anual, o que é vedado pela LRF. Embora o relator do julgamento
pelo Tribunal de Contas, conselheiro Álvaro Ferreira, tenha incorporado as
observações do MP, não há menção ao fato no texto final, que aprovou a contabilidade
da peemedebista. No parecer prévio constam apenas recomendações gerais ao
governo.
Na Paraíba, em 2014, Ricardo Coutinho (PSB) abriu créditos extraordinários de R$
378,7 mil por meio de medida provisória, portanto sem prévia autorização
legislativa. Além disso, apontaram os auditores do Tribunal de Contas do
estado, a Constituição Federal só permite a abertura de tais créditos em casos
“imprevisíveis e urgentes, a exemplo daquelas ocasionadas por guerra, comoção
interna ou calamidade pública”. Somada a outras irregularidades, como o
descumprimento dos investimentos mínimos constitucionais em saúde e educação, a
pedalada levou o MP de Contas a emitir parecer contrário à aprovação das contas
de Coutinho. O Tribunal de Contas da Paraíba multou o governador em R$ 7 mil,
mas findou por aprovar a contabilidade.
No Rio Grande do Sul, de acordo com o relatório do
corpo técnico do Tribunal de Contas de 2014,Tarso Genro (PT) contrariou
a Lei de Finanças Públicas (Lei 4.320 de 1964)
que estabelece: “a abertura dos créditos suplementares e especiais depende da
existência de recursos disponíveis”, proveniente de fontes como o “excesso de
arrecadação”. Os decretos assinados pelo petista se embasaram em “previsão de
arrecadação” – o que não passa de uma “suposição”, como apontou o relatório.
Por este e outros motivos – entre os
quais a criação de obstáculos à devida análise da contabilidade –, o MP de Contas
opinou pela emissão de parecer prévio desfavorável às contas, mas elas acabaram
aprovadas por unanimidade pelos conselheiros do TCE-RS.
Outro que foi vencido pela maioria
dos colegas, o conselheiro substituto do Tribunal de Contas doCeará, Paulo
César de Souza, votou pela reprovação das contas de 2014 de Cid Gomes (PDT).
Entre os principais motivos, está a metodologia utilizada pelo governo
estadual para demonstrar o atingimento de superávit primário de R$ 347,7
milhões naquele ano, quando outra metodologia – definida no Manual de
Demonstrativos Fiscais da Secretaria do Tesouro Nacional – resultaria em um
déficit primário de R$ 1,5 bilhão.
“Não há que se falar em cumprimento
das metas estabelecidas se o próprio cálculo da meta não é claro ou não traduz
a realidade”, frisou Souza. Uma comissão técnica do Tribunal de Contas do Ceará
apontou ainda o emprego de metodologias semelhantes no Maranhão e em
Pernambuco, além do governo federal.
Em Pernambuco, ainda na gestão do falecido governador Eduardo Campos (PSB),
o cancelamento de 678 empenhos liquidados no apagar das luzes de 2013 fez com
que $ 395,2 milhões de despesas sumissem da contabilidade estadual. Com isso, a
diferença entre receitas e despesas – chamada de resultado primário – teve um
ligeiro alívio, sendo o déficit resultante reduzido de cerca de R$ 1,5 bilhão
para R$ 1,2 bilhão. Campos foi outro que teve as contas aprovadas sem quaisquer
ressalvas – defendidas por dois dos cinco conselheiros. O argumento para não
ressalvar a chancela às contas consiste em dizer que a manipulação foi feita
por um misterioso usuário não identificado, o CTB-BACTH, e não pelo governador.
Já as contas de 2014 do governador
catarinense Raimundo Colombo (PSD) foram aprovadas, mas com ressalvas
pelo descumprimento de metas de resultado primário, além daquelas de despesa
total, nominal e da dívida consolidada líquida, “revelando um planejamento
orçamentário não condizente com uma política de gestão fiscal responsável”. Tal
qual em Pernambuco, o cancelamento de despesas liquidadas em Santa Catarina,
“sem controle que possibilite a transparência do procedimento”, na ordem de R$
1,3 bilhão, foi apontado com prejudicial à confiabilidade dos dados contábeis
apresentados pelo governo.
O Artigo 42
Outro ponto grave apontado na
contabilidade dos governadores Beto Richa e
de Cid Gomes foi a
falta de demonstração clara do cumprimento do artigo 42 da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), que impede o descontrole dos gastos nos últimos
meses de mandato. “Para a [conselheira] relatora, o desvio da norma do art. 42
imporia a rejeição das contas. Todavia, considerou que a omissão de dados e
informações impede esse desfecho. Com as vênias devidas, não concordo”, pontuou
o conselheiro Souza em seu voto pela condenação das contas do Ceará. “A
omissão em fornecer dados pode servir para encobrir descumprimento da norma e,
consequentemente, evitar as sanções legais. (…) Ou seja, todas as vezes que
houver fuga da norma, basta a negativa de entrega dos dados para que o órgão
fiscalizador fique inoperante”, protestou.
O artigo 42 da LRF também está no
centro do debate sobre as pedaladas de Marconi Perillo (PSDB-GO). O governador teve a
contabilidade posta em xeque pelo MP de Contas devido ao rombo de R$ 1,49
bilhão na conta centralizadora do estado de Goiás –
que agrupa 120 contas de secretarias, agências, fundações, autarquias,
estatais, fundos especiais e empresas públicas. Embora o “empréstimo” pelo
Tesouro goiano seja permitido excepcionalmente, somente em 2014 – ano em que
Perillo se reelegeu – o saldo negativo foi aumentado em R$ 633,9 milhões. Além
disso, o estado deixou de distribuir R$ 149 milhões de rendimentos a diversos
órgãos e entidades, elevando a dívida do Tesouro para com a conta
centralizadora para R$ 1,6 bilhão.
O corpo técnico do Tribunal de Contas
estadual apontou que, embora o tucano tenha cumprido as determinações do artigo
42, o feito só se deu pela apropriação dos recursos da conta centralizadora e
de seu “catastrófico aprofundamento” em 2014. Para os auditores do TCE,
desconsiderada a pedalada, Perillo teria incorrido em “flagrante
descumprimento” do artigo 42 e em crime contra as finanças públicas. O
entendimento dos conselheiros do Tribunal foi outro, entretanto, e a contabilidade
do governo estadual foi aprovada com ressalvas. Mas a independência da corte de
contas foi questionada recentemente, após a divulgação de uma
conversa que mostra
uma espécie de aliança entre Perillo e o conselheiro Edson Ferrari.
A análise das contas de Luiz Fernando Pezão e Sérgio
Cabral (PMDB-RJ) de
2014 pelos auditores do TCE do Rio de Janeiro concluiu
que o artigo 42 da LRF foi descumprido em R$ 1 bilhão devido a despesas
contraídas nos últimos meses do exercício sem que houvesse a necessária
disponibilidade financeira. O rombo também acarretou no descumprimento das
metas de resultado primário e nominal. O governo alegava ter alcançado R$ 122,7
milhões de superávit, mas subtraídas as despesas irregulares o resultado se
revelou, na verdade, um déficit de R$ 878 milhões.
O corpo técnico do TCE-RJ apontou
ainda descumprimento às normas do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor
Público, da Secretaria do Tesouro Nacional, o que pode ser considerado como
tentativa de maquiagem das contas públicas. “Os fatos apurados demonstram que
os resultados dos demonstrativos contábeis e fiscais encaminhados a essa Corte,
e divulgados para a sociedade, não são fidedignos, uma vez que os valores das
obrigações assumidas pelo governo não espelham a realidade”, diz o texto.
O governo do Rio de Janeiro também
utilizou artifícios na Lei Orçamentária Anual para abrir créditos adicionais
ilimitados em áreas específicas, como pagamento de pessoal, encargos sociais,
inativos, pensionistas, entre outras. “Desta forma, se está permitindo a
abertura ilimitada de créditos suplementares, podendo o orçamento inicial
aprovado ser totalmente alterado sem que haja necessidade de nova autorização
legislativa”, diz o relatório, que conclui ter havido desrespeito à
Constituição Federal. Apesar da recomendação técnica pela emissão de parecer
prévio contrário às contas, a Corte de contas foi unânime em aprová-las.
“Empréstimos”
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) pedalou em R$332,73 milhões com
recursos do Metrô – como revelou em abril o
jornal Valor –, ao deixar de repassar para a
companhia estatal os valores correspondentes à compensação tarifária, entre
2011 e 2014. Após a publicação da notícia, o Tribunal de Contas de São Paulo,
que não havia registrado a manobra – pelo menos não nos pareceres prévios
referentes aos exercícios de 2013 e 2014 –, solicitou então informações ao
governo estadual sobre o caso, que poderá ser abordado nas contas de 2015.
Alckmin não foi o único a fazer
espécies de empréstimos dentro do próprio governo. No Distrito Federal,
o governador Agnelo Queiroz (PT)
– cujos sucessivos recursos impediram, até o momento, o julgamento das contas
de 2014 – teve a contabilidade de 2013 aprovada com ressalvas. O TC-DF apontou
que não foi investido um real sequer em seis dos 30 fundos setoriais – de apoio
à pesquisa, ao esporte, de fomento à indústria, entre outros. Treze fundos
tiveram ainda execução reduzida, inferior à metade do que havia sido
disponibilizado.
Além disso, no encerramento do
exercício financeiro daquele ano, o governo determinou que os saldos não
utilizados pelos fundos até 26 de dezembro fossem devolvidos, o que afronta a
Lei de Finanças Públicas. Ela determina que, salvo determinação em contrário,
os recursos remanescentes devem ser mantidos no mesmo fundo no ano seguinte.
Somente o Fundo de Apoio à Pesquisa foi ressalvado da aprovação das contas. O
TCE recomendou ao governo reavaliar a necessidade e viabilidade dos demais.
O Tribunal de Contas do DF também
ressalvou da aprovação o descumprimento da meta de resultado primário previsto
na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2013. Inicialmente superavitária em R$
10 milhões, ela foi reduzida, dentro do exercício, para um déficit de R$ 510
milhões. Ainda assim, o governo não conseguiu atingi-la, terminando o ano no
vermelho em R$ 1,2 bilhão – pior resultado no DF, até então, frisou o TC-DF,
desde a edição da LRF, em 2000.
No Espírito Santo, o MP de Contas se manifestou pela
emissão de parecer prévio contrário à contabilidade de 2014 de Renato Casagrande (PSB).
O órgão considerou que houve uma pedalada de R$531,8 milhões nos recursos para
a manutenção e desenvolvimento do ensino, montante realocado para o pagamento
de benefícios previdenciários a servidores públicos inativos e pensionistas.
Com a espécie de empréstimo, o governo acabou por não cumprir o investimento
mínimo em educação previsto na Constituição Federal.
Além disso, o MPC-ES também apontou a
realização de despesas sem prévio empenho na ordem de R$ 300 milhões, além do
cancelamento indevido de empenhos, levando a imprecisões e irregularidades nos
demonstrativos fiscais do governo, “além de impossibilitar o conhecimento da
real disponibilidade de caixa do Estado ao final do exercício financeiro de 2014” . A manobra também teria
empurrado despesas para o exercício seguinte. O TCE-ES, entretanto, se
manifestou de forma unânime pela aprovação de parecer prévio favorável às
contas.
Tocantins, Mato Grosso e Bahia
No Tocantins, a Lei Orçamentária Anual para 2014, de
responsabilidade do governador Siqueira Campos (PSDB), foi criticada pelos auditores do TCE
por apresentar limites para a abertura de créditos suplementares apenas para
parte das despesas, contrariando a Constituição Federal. Não foram
estabelecidos limites para suplementação de gastos com convênios, amortização
da dívida, pessoal e encargos, entre outros. Campos e o vice renunciaram em
consequência de articulações eleitorais, tendo sido Sandoval Cardoso (SD),
então presidente da Assembleia Legislativa, eleito para o comando estadual por
meio de uma eleição indireta. Os auditores apontaram que, ao contrário do que
indicou o governo, não havia disponibilidade de caixa para honrar todas as
despesas dos últimos meses de mandato. Apesar de o Poder Executivo alegar
disponibilidade de caixa líquida, ao final do exercício, de R$ 431,2 milhões,
se incluídas as despesas “esquecidas”, de R$ 681,1 milhões, o valor na verdade
seria negativo em R$250 milhões.
Silval Barbosa (PMDB), governador do Mato Grosso,
foi outro cuja Lei Orçamentária Anual, em 2014, não estipulou limites para a
abertura de créditos adicionais em determinados setores, o que “significa um
verdadeiro ‘cheque em branco’”, conforme pontuou o MP de Contas de Mato Grosso.
“Na prática, houve uma subversão das regras constitucionais e legais das regras
do processo orçamentário”, diz ainda o parecer da instituição sobre os R$1,13
bilhão.
Além disso, os dados entregues pelo
governo mato-grossense confundiram os auditores do TCE-MT quanto ao cálculo do
superávit financeiro. De um documento para outro, o montante saltou de R$ 950
milhões para R$ 4,8 bilhões. “Note-se que não se trata de mera disparidade
formal. (…) Isso sinaliza que os créditos adicionais foram abertos sem uma referência
segura de recursos para custeá-los, o que, por si só, já implica desobediência
das normas relativas ao equilíbrio financeiro”, repudiou o MP de Contas, que
votou contra a aprovação da contabilidade de Silval Barbosa. O TCE, contudo,
promoveu a aprovação sem ressalvas, apenas com recomendações.
A auditoria do TCE da Bahia apurou que o governo Jaques Wagner (PT)não
computou na despesa com pessoal de 2014 um total de R$ 228,3 milhões referentes
a despesas com prestadores de serviços temporários e ao desconto indevido de
parte do 13º salário de 91.743 servidores, o que teria ocorrido por falha no
processamento da folha de pagamento. Caso tivesse sido incluído, o montante
oculto elevaria as despesas com pessoal do Poder Executivo de 45,48% para
46,36% da Receita Corrente Líquida. Com isso, o estado ultrapassaria o limite
de alerta previsto na LRF (46,17%), apontou a auditoria, e sofreria uma série
de restrições, como a proibição de criação de cargos, de concessão de aumentos
a servidores (com algumas poucas exceções) e contratação de horas extras.
Exceções
Embora tenham desrespeitado
pontualmente a LRF, não é possível afirmar que alguns governadores tenham
pedalado, uma vez que não houve maquiagem de dados contábeis, abertura de
créditos adicionais sem autorização legislativa ou em valor superior ao
permitido, ou ainda a tomada de “empréstimo” de fundos e empresas estatais. É o
caso de Simão Jatene (PSDB-PA), Jackson Barreto (PMDB-SE),
e José Melo (Pros-AM).
Apesar disso, o pouco rigor dos Tribunais de Contas pode ser percebido em
alguns casos, como em Sergipe.
Eleito vice, Jackson Barreto assumiu
o governo em dezembro de 2013, após a morte do então governador Marcelo Déda
(PT). O peemedebista teve as contas aprovadas com ressalvas pelo TCE. A Corte
puxou a orelha do Executivo estadual pela manutenção de elevados gastos com
pessoal, desde 2011, em patamar superior ao limite prudencial da LRF. Em 2014,
o montante de despesas com a folha de pagamento do Poder Executivo alcançou
48%. Foi quando o TCE finalmente se manifestou com maior rigor, ameaçando
reprovar a contabilidade estadual nos exercícios seguintes caso não sejam
adotadas medidas efetivas para sanar o problema.
No Amazonas, embora não tenham sido identificadas
pedaladas nas contas de Omar Aziz (PSD) eJosé Melo (Pros-AM),
com base na auditoria e no parecer prévio do Tribunal de Contas, a Lei
Orçamentária Anual aprovada pelo primeiro e executada principalmente pelo
segundo – Aziz renunciou em abril para concorrer ao Senado Federal – chama a
atenção pela generosíssima margem de realocação de recursos estipulada, de até
40% do orçamento inicial. Assim, por mais que ao final do exercício o Executivo
tenha aberto R$ 4,6 bilhões de créditos suplementares, representando 31,48% do
que fora inicialmente previsto na LOA, não houve irregularidade.
Em algumas unidades da Federação, o
ritmo de apreciação das contas pelos tribunais é tão lento que mandatos chegam
ao fim sem que se saiba como o
dinheiro público foi gerido na maior parte do tempo. São os casos do Piauí, cujo
último ano em que houve elaboração de parecer prévio pelo TC foi 2012, e de
Rondônia (2011). Além disso, a reportagem não teve resposta sobre os pedidos de
documentação relativa às contas de Mato Grosso do Sul, Roraima, Acre, Alagoas e
Amapá.
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